segunda-feira, 30 de abril de 2012


CAPITULO III
A APRENDIZAGEM: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS
          

1. CONCEITO DE APRENDIZAGEM
É evidente que o estudo de Psicologia da Aprendizagem precisa ser iniciado
pela compreensão do fenômeno da aprendizagem. O que e a aprendizagem e
quais são suas características? Os estudos e pesquisas cientificas
empreendidas pelos psicólogos, visando responder a estas perguntas,
resultaram no aparecimento de diferentes conceitos e definições de
aprendizagem, conforme as diversas teorias de aprendizagem que se foram
organizando, na base dos fatos investigados.
Em capítulos posteriores destes sumários, serão apresentadas algumas das
teorias da aprendizagem já formuladas e se poderá verificar como os
especialistas divergem no que se refere a natureza dos processos e
mecanismos particulares em jogo na aprendizagem. Entretanto, visando
oferecer uma idéia inicial da complexidade do estudo, da necessidade de
maiores investigações sobre os fatos da aprendizagem, que ainda estão a
requerer muitas pesquisas, serão referidas algumas das formas pelas quais
diversos psicólogos abordam o fenômeno da aprendizagem. Assim, a
aprendizagem tem sido considerada como:
- um processo de associação entre uma situação estimuladora e a resposta,
como se verifica na teoria conexionista da aprendizagem;
- o ajustamento ou adaptação do individuo ao ambiente, conforme a teoria
funcionalista;
- um processo de reforço do comportamento, segundo a teoria baseada em um
sistema dedutivo-hipotetico, formulada por Hull;
-- um condicionamento de reações, realizado por diversas formas, tal Como se
verifica, por exemplo, no condicionamento contiguo de Guthrie ou no
condicionamento operante de Skinner;
- um processo perceptivo, em que se da uma mudança na estrutura cognitiva,
de acordo com as proposições das teorias gestaltistas.
Face a estas formas de considerar a aprendizagem, aqui apresentadas a titulo
de exemplificar e será a intenção de transcrever todas as já formuladas, podese
concluir da dificuldade para conceituar a aprendizagem de forma
inteiramente satisfatória.
Da analise, porem, dos estudos realizados pelos especialistas se pode
conceituar a aprendizagem, de um ponto de vista funcional, como a
modificação sistemática do comportamento, em caso de repetição da mesma
situação estimulante ou na dependência da experiência anterior com dada
situação. Esta noção implica o reconhecimento dos seguintes fatos:
- existência de fatores dinâmicos, como os da motivação, sem o que nenhum
exercício, treino ou pratica se torna possível, pois se o individuo não for
impulsionado a agir, não poderá exercitar-se;
- possibilidade de modificação funcional dos indivíduos, segundo certas
características do ambiente, que se tornam seletivas para dirigir suas reações
aos estímulos ambientais;
- aparecimento de resultados cumulativos ou continuados da pratica.
De um ponto de vista estritamente operacional bastam dois dos caracteres
mencionados - modificação sistemática do comportamento e efeito da pratica
para se conceituar a aprendizagem.
Hilgard assinala que certos problemas nas definições podem, geralmente, ser
resolvidos recorrendo-se a definição de termos e, freqüentemente, é
satisfatório definir a aprendizagem como aquilo que esta de acordo com o
significado usual, socialmente aceito e que constitui parte de nossa herança
comum. Quando devem ser feitas distinções, com maior precisão, devem selas
através de tipos de inferências cuidadosamente especificadas, extraídas da
experimentação.
Assim, a aprendizagem pode ser definida como uma modificação sistemática
do comportamento, por efeito da pratica ou experiência, com um sentido de
progressiva adaptação ou ajustamento. <<Comportamento>>, aqui, não e
tomado apenas no sentido de reações explicitas ou de ação direta sobre o
ambiente físico, como manipular, locomover-se, juntar coisas, separá-las,
construir; mas, também, no de reações simbólicas, que tanto interessam a
compreensão da vida social, observadas em gestos, na fala, na linguagem
gráfica, como, ainda, no de comportamentos implícitos, que as reações
simbólicas vem a permitir, como perceber, compreender, imaginar e pensar de
modo coerente.
Por outro lado, o termo «pratica» não significa a exata repetição de uma reação
qualquer, mesmo porque repetições dessa espécie jamais ocorrem no
transcurso da aprendizagem: pratica significa a reiteração dos esforços de
quem aprende, no sentido de progressiva adaptação ou ajustamento a uma
nova situação que se ofereça.
Desta maneira, foram salientados dois aspectos de suma importância : a
atividade própria de quem aprende e a integração dos modos de ajustamento
em padrões gradativamente mais complexos.
É interessante enfatizar que definir a aprendizagem como «uma mudança de
comportamento>> não se pretende significar qualquer tipo de mudança,
porque, neste caso, poder-se-ia confundi-la com outras mudanças resultantes
de crescimento, maturação, fadiga etc., que se podem dar com a repetição e o
progresso, ou não.
Hilgard apresenta a seguinte definição, que considera como satisfatória para
despertar a atenção sobre os problemas envolvidos em qualquer definição de
aprendizagem:
«Aprendizagem é o processo pelo qual uma atividade tem origem ou é
modificada pela reação a uma situação encontrada, desde que as
características da mudança de atividade não possam ser explicadas por
tendências inatas de respostas, maturação ou estados temporários do
organismo (por exemplo, fadiga, drogas etc.).
Uma analise exaustiva das definições de aprendizagem dos diversos autores
conduzira a conclusão de que a mais geral das definições, abrangendo o
pensamento da maioria deles, poderá resumir-se no seguinte: Aprendizagem a
uma modificação sistemática do comportamento ou da conduta, pelo exercício
ou repetição, em função de condições ambientais e condições orgânicas.
Nesta definição, verifica-se que a modificação do comportamento a uma
variável dependente das condições ambientais e orgânicas, enquanto que
estas ultimas constituem as variáveis independentes, isto e, que ocorrem com
o nosso controle ou não. Podemos, então, dizer: e a relação entre variáveis
dependentes (modificação do comportamento) e variáveis independentes
(ambientais-organicas) supondo-se a atuação de variáveis intervenientes ou
constructos entre essas duas categorias de variáveis.
Do ponto de vista estrutural e funcional ha mais ou menos acordo em que a
aprendizagem seja as modificações que interessam aos sistemas receptores e
efetores, em suas conexões anatômicas e funcionais referentes ao sistema
nervoso central e que foram retidas como pertencentes ao campo da
aprendizagem.
Entretanto, no que se refere à natureza dos processos e mecanismos
particulares em jogo na aprendizagem, isto e, que intervêm no estabelecimento
e conservação dos sistemas de traços e que se podem ser inferidos, e' que
surgem as discussões causadoras das diversas teorias formuladas sobre
A aprendizagem.
II. APRENDIZAGEM E DESEMPENHO
Os mecanismos e processos, temas de discussão no estudo do fenômeno da
aprendizagem, ainda não puderam se constituir como objeto de observação
direta, face ao estagio atingido pela pesquisa cientifica, ate o momento
presente.
A pesquisa no campo empírico tem empregado uma multiplicidade de variáveis
intervenientes, conforme a nomenclatura de Tolman, e constructos, segundo a
orientação de Clark Hull, mas a explicação daquilo que ocorre na intimidade do
sistema nervoso para produzir a aprendizagem continua ainda no plano das
formulações teóricas. Entretanto, o estudo do desempenho, isto é, das
mudanças observáveis, ocorridas no comportamento do individuo que aprende,
possibilita a formulação das hipóteses, das inferências que orientam o cientista,
como também o planejamento das situações de ensino pelo educador.
Conclui-se, portanto, que não se pode confundir aprendizagem com
desempenho, que é o comportamento através do qual se infere a ocorrência da
aprendizagem, uma das muitas variáveis que influenciam o desempenho.
Na realidade, ainda não se descobriu uma forma de observar diretamente a
aprendizagem, pois observamos apenas as condições que antecedem o
desempenho, depois o desempenho propriamente dito e, afinal, as
conseqüências do desempenho.
Podemos referir, como variáveis que antecedem o desempenho, os chamados
estímulos que, em uma conotação ampla, operacional, abrangem tudo aquilo
que precede um ato, inclusive a variável motivação - um rato faminto que
esteve sem comer por determinado numero de horas, por exemplo. O
desempenho será a reação que pode ser medida em tertius de velocidade,
tempo etc.
E, afinal, uma conseqüência do desempenho será a recompense que,
operacionalmente definida, a um acontecimento que se segue imediatamente a
uma reação e incremento a probabilidade desta.
III. CONCEITO ACADÊMICO DE APRENDIZAGEM
Quando se trata de principiantes no estudo de psicologia da aprendizagem,
não parece supérfluo abordar o problema da concepção estreita e acadêmica
da aprendizagem, como também da falsa aprendizagem. A pessoa, não
versada em psicologia, pode ter a tendência a conceber a aprendizagem como
significando apenas adquirir habilidade em leitura, escrita, conhecimentos de
geografia, historia etc. Trata-se de uma concepção estreita de aprendizagem,
que a muito mais do que isso! As pessoas aprendem os valores culturais;
aprendem a desempenhar papeis de acordo com o sexo; aprendem a amar, a
odiar, a temer e a ter confiança em si mesmas; aprendem a ter desejos,
interesses, traços de caráter e de personalidade. Em suma, a aprendizagem
não e apenas a aquisição de conhecimentos ou do conteúdo dos livros, como
pode ser compreendida por uma concepção estreita e acadêmica do
fenômeno, como também não pode se limitar apenas ao exercício da memória.
Toda aprendizagem resulta da procura do restabelecimento de um equilíbrio
vital, rompido pela nova situação estimuladora, para a qual o sujeito não
disponha de resposta adequada (esse equilíbrio vital foi considerado por
Cannon, sendo denominado equilíbrio homeostático). A quebra deste equilíbrio
determina, no individuo, um sentimento de desajustamento, ao enfrentar uma
situação nova, e o único meio de ajustar-se a agir ou reagir ate que a resposta
conveniente a nova situação venha fazer parte integrante de seu equipamento
de comportamento adquirido, o que constitui o que se chama aprendizagem.
A eficiência da aprendizagem esta condicionada à existência de problemas,
que surgem na vida do educando, que lhe dêem a impressão de fracasso e
que o levem a sentir-se compelido a resolvê-los. Na busca e obtenção dessas
soluções, o educando aprende, de fato, e não apenas memoriza formulas
feitas, sem nenhum efeito no ajustamento de sua personalidade.
A aprendizagem envolve o use e o desenvolvimento de todos os poderes,
capacidades, potencialidades do homem, tanto físicas, quanto mentais e
afetivas. Isto significa que a aprendizagem não pode ser considerada somente
como um processo de memorização ou que emprega apenas o conjunto das
funções mentais ou unicamente os elementos físicos ou emocionais, pois todos
estes aspectos são necessários.
IV. CARACTERÍSTICAS DA APRENDIZAGEM
As considerações feitas para a conceituação da aprendizagem facilitaram, sem
duvida, a compreensão de suas características básicas, que serão enunciadas
a seguir e resultam das contribuições das varias teorias da aprendizagem, e
estudadas em capítulos posteriores.
1. Processo dinâmico - Como já ficou bem claro, a aprendizagem não a um
processo de absorção passiva, pois sua característica mais importante é a
atividade daquele que aprende. Portanto, a aprendizagem se faz através da
atividade do aprendiz. E evidente que não se trata apenas de atividade externa
física, mas, também, de atividade interna, mental e emocional, porque a
aprendizagem e um processo que envolve a participação total e global do
individuo, em seus aspectos físicos, intelectuais, emocional e social.
Na escola, o aluno aprende pela participação em atividades, tais como leitura
de textos escolares, redações, resoluções de problemas, ouvindo as
explicações do professor, respondendo oralmente as questões, fazendo
exames escritos, pesquisando, trabalhando nas oficinas, fazendo experiências
no laboratório, participando de atividades de grupo etc. Assim, a aprendizagem
escolar depende não do conteúdo dos livros, nem do que os professores
ensinam, mas muito mais da reação dos alunos a fatores, tais como livros,
mestres e ambiente social da escola. Os métodos de ensino da escola
moderna tornaram-se ativos, suscitando o Maximo de atividade, da parte do
aprendiz, face à caracterização da aprendizagem como um processo dinâmico.
2. Processo contínuo - Desde o inicio da vida, a aprendizagem acha-se
presente. Ao sugar o seio materno, a criança enfrenta o primeiro problema de
aprendizagem : terá que coordenar movimentos de sucção, deglutição e
respiração. As horas de sono, as de alimentação, os diferentes aspectos de
criação impõem, já ao infante, numerosas e complexas situações de
aprendizagem. Na idade escolar, na adolescência, na idade adulta e ate em
idade mais avançada, a aprendizagem esta sempre presente.
A família, a escola e enfim todos os agentes educacionais precisam selecionar
os conteúdos e comportamentos a serem exercitados, porque, sendo a
aprendizagem um processo continuo, o individuo poderá aprender algo que
venha prejudicar seu ajustamento e o bom desenvolvimento de sua
personalidade.
3. Processo global ou compósito> - Qualquer comportamento humano a global
ou «compósito>>; inclui sempre aspectos motores, emocionais e ideativos ou
mentais, que serão estudados em capitulo a parte, como produtos da
aprendizagem. Portanto, a aprendizagem, envolvendo uma mudança de
comportamento, terá que exigir a participação total e global do individuo, para
que todos os aspectos constitutivos de sua personalidade entrem em atividade
no ato de aprender, a fim de que seja restabelecido o equilíbrio vital, rompido
pelo aparecimento de uma situação problemática.
4. Processo pessoal - Ninguém pode aprender por outrem, pois a
aprendizagem a intransferível, de um individuo para outro. As concepções
antigas supunham que o professor, apresentando o conteúdo a ser aprendido,
realizando os movimentos necessários, levava, obrigatoriamente, o aluno a
aprendizagem. Atualmente, a compreensão do caráter pessoal da
aprendizagem levou o ensino a concentrar-se na pessoa do aprendiz,
tornando-se paidocêntrica (o aluno no centro) a orientação da escola moderna.
A maneira de aprender e o próprio ritmo da aprendizagem variam de individuo
para individuo, face ao caráter pessoal da aprendizagem.
5. Processo gradativo - A aprendizagem e um processo que se realiza através
de operações crescentemente complexas, porque, em cada nova situação,
envolve maior numero de elementos. Cada nova aprendizagem acresce novos
elementos a experiência anterior, sem idas e vindas, mas numa serie gradativa
e ascendente.
Este caráter gradativo repercutiu na organização dos programas escolares, na
organização dos cursos e em sua respectiva seriação.
6. Processo cumulativo, com um sentido de progressiva adaptação e
ajustamento social - Analisando-se o ato de aprender, verifica-se que, alem da
maturação, a aprendizagem resulta de atividade anterior, ou seja, da
experiência individual. Ninguém aprende senão por si e em si mesmo, pela
automodificação. Desta maneira, a aprendizagem constitui um processo
cumulativo, em que a experiência atual aproveita-se das experiências
anteriores.
Estas modificações de comportamento, resultantes da experiência, podem
levar a frustrações e perturbações emocionais, quando não se da à integração
do comportamento, isto é, a aprendizagem. Quando, na realidade, a
aprendizagem se realiza, surge um novo comportamento, capaz de solucionar
a situação problemática encontrada, levando o aprendiz a adaptação, ou a
integração de sua personalidade, ou ao ajustamento social. A acumulação das
experiências leva a organização de novos padrões de comportamento, que são
incorporados, adquiridos pelo sujeito. Dai se afirmar que quem aprende
modifica o seu comportamento.

CAMPOS,Dinan Martins de Sousa. psicologia da aprendizagem. petrópolis: Vozes, 1982